A aplicação teórica de assuntos práticos e relativos á questão do ser adjudicado à alma do animal que nasce dentro de todos nós.

quarta-feira, novembro 08, 2006

Cookie

No bolso de trás das calças de napa rasgadas, não dilaceradas pela moda mas pelo uso incessante ao longo dos anos de trabalho nas obras, um tesouro afrodisíaco repousa bem guardado no interior dum pequeno saco plástico de fecho ecler.


Hoje é quarta-feira. Meio da tarde nublada intercalada pelos raios solares escondidos que transformam as nuvens brancas em monstros luminosos.

O som familiar da mota Casal 2 ouve-se ao longe, ao longo de dez minutos de distancia tal qual um berro estridente e continuo duma cantora de rancho folclórico minhoto com inclinações para a esquizofrenia e a epilepsia. O tom do esganiçar mecânico sobe e desce como o soluçar entalado á medida que vai passando pelos buracos enlameados na estrada de terra e se vai desviando da cãozoada brava de dentes arreganhados que se atira aos pneus carecas com puro ódio a um som inaudível e a um aroma imperceptível.


Mas há um cão que não quer saber.

O Cookie não se mete nessas merdas.

Correr atrás de pneus é para a ralé. Alem do mais, ele já conhece o som da mota e já sabe qual vai ser a sua tarefa para hoje á tarde.

O Cookie é um cão com classe. Uma classe singular caracterizada pelo snobismo autodidata que foi adequirindo ao longo dos anos e sem duvida pelo sangue que lhe corre pelas veias cobertas pelo macio pêlo castanho.

Tem a mania que tem pedigree, pois o seu avô, diz ele num latir bastante erudito ao ouvido dos outros jecos rafeiros, era um cocker spaniel puro-sangue premiado internacionalmente.

Alem do mais, teima que vê o mundo duma forma diferente.

Enquanto essa cãozoada vadia, diz ele, vê tudo em tons de cinzento, semelhante a um monitor grayscale dum 386, ele não. Ele, como tem grande estilo, uma percepção diferente do mundo e é o cãozinho querido da sua dona, vê tudo num tom noir, qual mundo projectado numa tela de sombras expressionistas, contrastes que Orson Welles invejaria para o seu Citizen Kane.


Finalmente, o ruído ensurdecedor pára. Com um arcar de perna, como se desmontasse duma Harley Davinson, a criatura de 1,50 que vinha em cima da Casal 2, procura valorizar o pouco que tem. As calças de napa mostram um chumaço falso simulado por um par de meias enroladas e uma meia de vidro cheia com farrapos colocada de forma a descer pela coxa abaixo até perto do joelho.

Tem de ser. A mãe natureza não foi lá muito generosa com o Santos. Alem da sua baixa estatura, teve bónus de carregar entre as pernas uma pixota e uns berlindes que enchem pouco a vista ás damas que gosta de conquistar.

Isso fez com que se adaptasse ás circunstancias.

O Santos, como um verdadeiro playboy rural, não bate punhetas. Tem os seus segredos para manter as suas fêmeas.

Alem de andar sempre com o chumaço enfiado nas cuecas para chamar a atenção ás damas sequiosas por volumetrias aparentes, tem no seu bolso de trás o seu afrodisíaco, um penso higiénico besuntado pelos humores periódicos da dama que vai hoje satisfazer.

Saca do saquinho de plástico, abre o fecho, pega no penso usado e leva-o ao nariz.

Treme com o arrepio de prazer que lhe correu na espinha.


O Cookie, que está deitado na relva a roer um osso repara no aroma familiar que aquele parvalhão de bolso trás nas mãos. Não vai com a cara do gaijo, e como tal, atira-se ao chumaço falso do playboy rural.

“Olhai olháí ó cookie! Fuadasse!” grunhe o parolo tentando afastar os dentes afiados de cão, do chumaço impregnado de aromas colhoais.

Cookie, como gentldog que é, decide recuar. Sabe que vai ser compensado da maneira que gosta e este não perde por esperar.


Rói calmamente o seu osso enquanto o tipo foi lá dentro e fica a puxar pelos seus neurónios ladrantes.

Dez minutos depois, é chamado.

A sobremesa até que enfim!

Alegremente salta para cima da cama da dona onde ela se encontra deitada com o grelo arreganhado para cima.

“Cookie, cookie! Upa, upa!”

O cachorro adora o sabor e o paladar da pachacha da dona que o enche de festas enquanto ele lambe desenfreadamente com a obstinação obsessiva dum grande apreciador de cona humana.

Mas, o cheiro a colhão do outro filho da grandessíssima puta irrita-o solenemente e quase estraga a festa. Não é perfeito.


Na semana a seguir, o Cookie, utilizando como argumento o seu ancestral passado nobre e a sua reserva de ossos, convence a cãozoada a participar num plano habilmente engendrado por ele.

O Santos foi atacado por uma matilha de cães anónimos que lhe arrancaram o chumaço falso e rasgaram os pneus da Casal 2.

Do cimo dum muro de suporte em granito, a mais de quatro metros de altura, o general vê as suas tropas a executar o plano, num tom de cinzentos noir, cheio de expressão.

2 comentários:

Anónimo disse...

Jukinha,

És o "Saramago" da malta...

Quando editares o teu livro de "Contos eróticos para o povo" lembra-te dos teus leitores assíduos do blog.
Quero um autógrafo teu.

Continua a mandar postais...

Ass: ASA (admiradora secreta azeitonense)

Anónimo disse...

Oh jukinha pá, ando a tentar falar contigo ha colhoes!
siga!
abraço

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