A aplicação teórica de assuntos práticos e relativos á questão do ser adjudicado à alma do animal que nasce dentro de todos nós.

segunda-feira, novembro 27, 2006

A luz cintilante da vela de cera pingante, ilumina as delicadas mãos femininas que afincam as unhas violentamente no pequeno apoio almofadada revestida de veludo vermelho para encostar os cotovelos no momento de ajoelhar e rezar.
Na parede de granito ao seu lado a pedra é invadida pelas sombras intermitentes dos vultos com movimentos repetitivos.
Gritinhos diabólicos, grunhidos de exorcismo, murmuros cavernosos e palavras em latim ecoam pela nave da igreja que se espalham e dispersam na escuridão.


O nevoeiro não desaparece à mais de duas semanas, e tudo leva a crer que Nosso Senhor abandonou esta terra perdida no meio da serra.

A incessante luta pela salvação das almas levou a que o jovem sacerdote adoptasse a melhor forma, segundo ele, de salvar almas do purgatório e expulsar demónios do corpo.

Sentado á sua pequena mesa de madeira, negra e gordurosa do azeite da candeia, escreve alguns apontamentos no seu pequeno livro de notas, de vértices boleados encadernado a couro preto, com uma pena cortada na ponta e tinta de carvão.

“Anno santo de 850.

A maldição continua a abater-se sobre a aldeia.

Hoje consegui com que levasse duas almas do purgatório ao paraíso e exorcizasse quatro pobres almas desta terra de ninguém.

Amanhã volto ao trabalho.

Que Deus me dê forças e coragem para mais um dia.”

O sacerdote, ainda um puto, vestido com o seu hábito de serapilheira, é senhor duma inabalável fé.
Desde que chegou á paroquia isolada no meio de serras frias e pedregosas, tenta em vão expulsar o mal que reside naquela aldeia plantada num vale sombrio.
Já experimentou todo o tipo de exorcismos que aprendeu com os mestres no seminário, mas a escuridão constante do nevoeiro serrado que envolve o vale não cessa de forma alguma.

Mas, á alguns dias atrás, começou a ter sonhos esquisitos, sonhos carnais com as sagradas criaturas femininas por Deus criadas, e num desses sonhos foi-lhe revelada a forma de livrar o vale do mal que o assola.

A lição que aprendeu assombrou-o mas encheu-o de esperança e vontade de trabalhar para o bem das almas.
Uma vontade como nunca sentiu, ou melhor até já teve desses desejos, principalmente quando andava no seminário, mas um dia quando foi ás latrinas, foi denunciado por um colega invejoso de preferências e gostos exageradamente anais.
Passados minutos, entram de rompante na latrina de madeira onde estava o jovem seminarista e foi apanhado pelo reitor, a esfregar a pila monstruosa, pila esta também uma traidora que por várias vezes o acusou, ao armar a tenda impossível de disfarçar debaixo do hábito ao rezar o rosário, e por consequência a habilitar-se a alombar legiões de vergastadas ciumentas vindas da mão dum reitor flácido de testículos rendidos.
Lá no fundo, o seminarista ganhou-lhe o gosto, pois se não gostasse de levar porrada com chicote, os seus reflexos inatos não dispersavam o óxido nitroso pelo corpo até lhe chegar ao membro do diabo. Aquilo ao fim e ao cabo até lhe apaziguava os calores infernais que sentia a crescer de dia para dia, mas que teimava em controlar para não desagradar á regra.

A luz difusa entra sem produzir qualquer sombra pela janela do pequeno quarto espartano em que o sacerdote dorme assombrado por pesadelos de sombras tridimensionais e principalmente, por pesadelos em que se esquece de vestir o habito, calçar as sandálias e dá a missa descalço e em trusses.
Que humilhação.


Está a nascer o dia.
Mais um dia a trabalhar na salvação das almas.
Da expulsão dos demónios do corpo.
Enfim, é uma profissão como qualquer outra, tem os seus altos e baixos. Poderia trabalhar na tasca do pai a virar frangos na brasa e ser muito mais feliz, mas a Fé foi mais forte.

Levanta-se senta-se na cama, põe a mão direita sobre os olhos e aperta-os. A seguir leva a mão ao cabelo e puxa-o para trás até á nuca onde pára e desce um bocado para coçar as costas marcadas pelas centenas de chibatadas que levou no seminário por ter uma picha anarquista.
Olha para o santo madeiro e as duas companhias e encontra tudo num estado lastimoso, não degradado, mas com o aspecto avermelhado e inchado causado pelo excesso de uso.
Os tomates estão completamente murchos e espalhados como se de um saco frouxo com duas nozes lá dentro se tratasse.

“Tende coragem, o Senhor vos há-de dar forças, pois foi ele que nos guiou até aqui para que façais o vosso duro trabalho.”

Levanta-se com algum custo da cama, lava-se numa bacia de cobre com água gelada pelo frio da noite, veste o hábito pela cabeça com um só gesto, faz as suas orações e dirige-se para a sacristia enquanto come um pão com queijo da serra.

Á sua espera, encontra-se já uma legião de paroquianas, atormentadas por calores nocturnos, humores corporais atribuídos á presença do diabo nos seus corpos.
Os maridos á noite, pouco ou nada sabem fazer para apaziguar as suas fêmeas.
Desgraçados dominados pela fraqueza da carne e excitados por sucubus ao ponto de ficarem quase a virem-se no momento de enfardar nas suas damas, estes só conseguem meter as tristes chouriças para que, termine tudo em menos de um minuto com uma careta assustadora.
Caretas estas que demonstram e provam que estão a invocar sem saber o demónio para que este entre no corpo das suas mulheres, deixando-as sempre cada vez mais assanhadas.
E os dias cada vez mais enevoados.

Começa mais um dia de exorcismos.

Ajoelhadas uma a uma, á sua vez ordeiramente, cada fiel apanha com o santo madeiro que pelo sacerdote é previamente lavado com água benta e instruído a excomungar os mafarricos que habitam os corpos das enfermas e que abrem as portas do desejo aos incubus.

Aquilo nos primeiros dias até foi muito gratificante para o sacerdote. Conseguiu através do seu poder de persuasão verbal, mostrar a lógica do seu pensamento, adquirido depois de ter o sonho revelador.

“Os demónios que habitam no corpo das mulheres que se contorcem na cama, teem suores vindos do seu interior, mesmo quando está uma atmosfera gelada e mesmo sem febre, quando se começam a esfregar, a gemer e a ficarem agressivas ao ponto de berrarem, só podem ser libertas de tal mal que as atormenta, através do processo de exorcismo com uma pila consagrada, e para isso apenas um sacerdote devidamente preparado e equipado pode efectuar.”

Pois, por cada vez que uma mulher se vinha, era mais um demónio que dela era libertado. Ás vezes uma mulher tinha que ser continuamente exorcizada, pois á viúva sexagenária que vive na bouça de baixo, só nesta sessão já se veio sete vezes seguídas e portanto, por consequência sete maus espíritos foram expulsos.

Mas, o sacerdote tem reparado que o diabo só habita o corpo de mulheres particularmente desagradáveis á vista e ao toque, mas não é por isso que devem ser postas de parte, já que são as que mais necessitam de tratamento.

Continuando a sua lógica de raciocínio, o sacerdote chega á conclusão que pode fazer muito mais pela obra de Deus. Ele descobre a forma de salvar as almas do purgatório.

As mulheres agradáveis á vista e ao toque não aparentam estar possuídas, portanto sempre que teem aqueles espasmos durante uma sessão característicos da possessão, elas não expulsam um demónio, mas sim salvam uma alminha do purgatório.

“Ooh vem, vem minha querida, que vamos salvar mais uma alminha e manda-la para os raios resplandecentes do paraíso, onde será feliz e rezará por nós, agradecida eternamente pelo nosso sacrifício! Lá de cima olhará para nós com um sorrizo nos lábios e apontará alegremente aos anjinhos do céu a nossa custosa determinação! Não te esqueças, oferece esta flagelação ás alminhas! Oh deixa-me agarrar nas tuas maminhas, detentoras do sagrado colinho que conduzirá a alminha para as portas do céu!”

Por cada demónio que excomunga, intercala por uma alma salva do purgatório.

Na alta noite, o sacerdote esgotado mas mais optimista em relação á sua missão, contabiliza as almas que resgatou do purgatório e os demónios que excomungou do corpo das paroquianas.

Enche duas páginas do seu caderninho preto. Fecha-o e prende-o com uma tira de pano para que não se abra.
Reza e vai para a cama.

No dia seguinte, um raio de sol entra pela janela do quarto espartano e acorda-o com a meiguice duma amante.

Quando abre os olhos já tinha desaparecido.

Com dificuldade, senta-se na cama e sorri.

É preciso continuar a lutar.

É preciso continuar a ter Fé.



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Ei, isto não é a continuação da historia do trolha. Essa nem sei se a acabo. Não gosto do gaijo e prefiro deixa-lo a churrascar dentro do confessionário.
Que fique lá a assar o sacana.

5 comentários:

Anónimo disse...

Bom, muito bom!
Grande contador de histórias!, está definitivamente genial...«"..Tende Fé..»"

Anónimo disse...

S. Libânio nos acuda! E que S. Camolas te proteja, para seres como és, em nobre demanda, exímio contador de histórias! Ai que vida triste eu tinha até ler O Trolha.

Anónimo disse...

muito bom :)

Anónimo disse...

Continua a mandar postais.

Meninos maus ardem no inferno! Meninos bons vão para o raio que os parta!

Ass. Diácono Bentinho da Cruz

Anónimo disse...

Outro que desapareceu...

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