A aplicação teórica de assuntos práticos e relativos á questão do ser adjudicado à alma do animal que nasce dentro de todos nós.

domingo, maio 21, 2006

Hoje foi quase.

É noite serrada.


As paredes de pedra aparelhada sem argamassa assentam no chão de terra batida completamente encardido e besuntado de borra do vinho tinto carrascão, vindo dos tonéis de madeira já escurecida pelos séculos de existência. As telhas da cobertura tem brechas do tamanho de punhos que deixam escapar o fumo, mas quando chove dilui o carrascão que repousa nas malgas dos clientes. Não incomoda.

Hoje é uma noite como qualquer outra noite, ali naquele ermo no meio da serra.

De súbito algo quebra a monotonia.



Completamente abananado, entra de rompante pelo tasco adentro. O calor proveniente da lareira acesa contrasta com o frio de rachar que gela tudo o que está cá fora. Aquece-lhe a cara e sente-se melhor. Procura um lugar e assenta-se num banco de pau ao fundo, na parte mais escura do tasco, onde a luz das lâmpadas de azeite e da lareira mal chega.

Manda vir uma malga com o verde tinto carrascão.

O tasqueiro, de cara peluda e aspecto rude põe-lhe a malga em cima do tricentenário tampo da mesa.

Dá um gole. Aquilo pinta-lhe a língua e os lábios com um tom bordô.

“Hoje foi quase. Hoje…foi quase…”

Os grunhos que povoam o tasco grunhem e riem-se dele. Os olhares de escárnio e de gozo escondem toda a frustração que tem na vida deles.

Mas não quer saber. Tá-se a cagar e faz orelhas moucas. Aquilo está a tornar-se numa obsessão louca, um demónio que lhe consome a alma, a come aos bocados, digere e no fim caga tudo enchendo-lhe o pensamento de merda.

Mas ele sabe do que os grunhos se estão a rir. E pensam eles que é por isso que todas as noites afoga as mágoas nas tigelas cheias do áspero carrascão.

“Hoje foi quase.”



A mulher é conhecida na terriola por ter uma alma extremamente caridosa. Ela, mulher de perna grossa e peito farto não faz distinção de credo, raça, idade, proximidade sanguínea, ou mamífero na questão de esvaziar os alheios colhões de todos os que os tenham a abarrotar. E quem não os tiver naquele estado crítico, não faz mal, ela faz questão de arrancar a derradeira reserva colhoal a brutais golpes de conada já calejada como couro, esfolaçando gaitas e espremendo colhões durante dias inteiros.

Ainda hoje, enquanto ele estava no rés-do-chão de terra batida onde fica o gado, a tentar controlar o seu desejo, o seu demónio, ouvia o berreiro e as tábuas de 6 centimetros de espessura do soalho abanavam como se lá em cima estivesse uma manada de búfalos a dançar o malhão.

Mas ela dantes não era assim. Ele já não lhe dá a manutenção exigida por ela.

Dantes não falhava as revisões. Agora não.

Agora há outra.


“Hoje foi quase…”

Levanta-se e a cambalear, quase se espalha por cima da mesa onde os grunhos continuam a rir. Empurram-no para o lado. Cambaleia passa pelo balcão badalhoco e atira para cima três tostões.

Sai e vai a casa. Abre a porta grande de baixo. Olha para dentro e luta contra ele para tentar afastar a tentação.

Foge a correr aos tropeções pelos montes fora. Bate na cabeça, arranha o corpo esfarrapando a camisola de lã até cair no chão frio.

Ali fica. A gelar.


A pouco mais de vinte metros está um pequeno abrigo que costuma utilizar quando vai trabalhar.

Ele desmaiado no chão não percebeu que foi seguido.

Pelo chão pedregoso é arrastado para o abrigo. Lá dentro ela deita-se com carinho ao lado dele e aquece-o.

Os primeiros raios avermelhados de sol entram pelas brechas na tosca parede de pedra e lentamente vai acordando. Sente-se maravilhosamente bem. O cheiro familiar que sente faz-lhe acender a chama do desejo. Olha para o lado e ela está lá.

Não resiste e num só gesto agarra-a por trás, baixa as calças e saca a pila já gorda, dura e a palpitar para fora.

Enfia-a e é um êxtase constante.

Ela tem imenso pêlo mas ele adora assim.

A vinte metros do abrigo, um mocho gordo e pachorrento vai piando antes de ir dormir. De súbito cala-se quando ouve um balir de prazer lá de dentro.


Epilogo.

A partir dessa noite, a cabeça voltou ao normal. Encontra-se secretamente com ela todas as noites no abrigo. Voltou a fazer a manutenção á mulher e escorraçou os grunhos a golpe de catana para recuperar o respeito.

Hoje é dia de tosquia, e para ela, ele faz-lhe um corte especial com muito amor.

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