A aplicação teórica de assuntos práticos e relativos á questão do ser adjudicado à alma do animal que nasce dentro de todos nós.

segunda-feira, julho 30, 2007

Os Inóticos Parte 1 Capitulo 7

*

Aquilo tem de estar por aqui! Raul já virou o sótão da sua casa todo do avesso. Aquilo tem de estar algures. Desde manhãzinha que anda à procura por todo o sótão e ainda não olhou para a caixa de metal que está na janela. É lá que está guardado o ma­terial de desenho que pertencera ao seu pai.

Raul volta a dar mais uma volta pelo bendito sótão sem olhar para a caixa. Esta divisão da casa é bastante abafada e empoeirada. Raul dirige-se à janela para arejar o espaço quando, finalmente encontra o que queria! Desce para o escritório e mete mãos à obra.

Primeiro, antes de tudo, faz-se o mais importante. Pega no pente e desfaz a poupa em forma de antena parabólica, pois este é o seu penteado de pesquisa e volta a pen­tear-se com o penteado de concentração intelectual.

Ele tem que acabar o trabalho antes da Sexta-feira. Pode ser que desta vez con­siga convencer o gordo a editar o seu trabalho.

Vai dar muito que fazer e vai ocupar todos os dias da semana que falta.


*

Passaram-se horas. Muitas horas. Rété acorda numa das muitas camas da enfer­maria do hospital com um sabor a serradura na boca e um péssimo pressentimento.

Não se lembra de nada do que aconteceu para estar ali. Foi, com certeza algo de terrível! Algo assombroso! Ele não quer saber nada do que quer que tenha acontecido! Há alguns anos, ele leu uma obra dum tal Bram Stoker, em que um personagem tam­bém tinha acordado em situação idêntica! Sem se lembrar de nada!

E se ele também enfrentou o Drácula? O Nosferatu? É bem capaz! Também deve ter tido uma febre cerebral como o tipo do livro!

— Ai meu Deus, ai Nossa Senhora! — pensa o Rété aterrorizado — Eu enfrentei o Nosferatu em pessoa e sucumbi! Ai obrigado Senhor por me teres aqui vivo!

Mas, para ter certeza, Rété passa o polegar pelos dentes caninos para ver se algo mudou. Também levanta os lençóis para ver se está tudo no sítio.

Graças a Deus que sim. Rété já pode respirar um pouco mais aliviado. Entretanto entra a enfermeira de serviço na enfermaria.

— Olá, bom dia — diz a enfermeira.

Rété tenta murmurar algo mas está demasiado fraco para falar. Depressa a enfer­meira tratou de lhe explicar de que quando chegou ao hospital estava em estado de choque e que só agora deu sinal de vida.

Meu Deus! Tudo bate certo com os acontecimentos verídicos que aquele tipo es­creveu! Cruzes santíssimas do céu! Rété está aterrorizado. Não sabe o que fazer! A enfermeira apercebe-se da sua inquietude e informa-o de que a sua família estaria de volta em pouco tempo e que já podia ir com eles. Era só o tempo de recuperar algumas forças.

Nesse momento, na altura em que a enfermeira disse que ia ter alta dentro de pouco tempo, Rété sente um arrepio na espinha tão forte que até lhe fez comichão nas unhas dos pés!

Ele vai encontrar-se com o causador da sua vinda para o hospital outra vez! De certeza! Mas ele não quer! Tem medo! Tem muito medo! Sente o pânico a subir-lhe e a apoderar-se do seu espírito. Tenta sair da cama, mas está muito fraco. Assim não tem outro remédio senão esperar pelo destino. Pelo seu fado. Pelo karma...

Adormeceu. E adormecido continuou durante muitas horas.

De repente...

— Olha, olha! Parece que o mariquinhas já acordou — grita o senhor Rota num tom trocista virado para o filho.

— Q... quê? — murmura Rété ainda estremunhado.

— És mesmo parvo! Com as tuas fitas até assustaste a menina Petrolina!

— Não. Não. Nãããããããããããão. NÃÃÃÃÃOOOOOOOOO! Não pode ser!

O fado pregou uma partida ao Rété, muito maior do que ao meco do livro do tal Stoker!

O coração de Rété bate cada vez mais forte. As suas cápsulas supra-renais injec­tam por todo corpo a droga que retêm. Ele nunca teve uma injecção de adrenalina como aquela que tivera agora! O cérebro desliga-se e como uma gazela tenta fugir do preda­dor, Rété tenta fugir da cama para evitar o destino.

— Caaaaalminha aí pá! Onde pensas que vais? Tens que ficar forte para a festa de noivado! Ai é! E esta noite vais visitar a tua futura esposa! Ai vais sim senhor!

Rété não tem como fugir. O seu pai aprisionou-o na cama e não há outra saída. Tem que ser. Infelizmente tinha que ser.

— Que Deus me proteja. — suplica Joaquim Rota, aliás, Rété.


*

Os Alka-Seltzer e os Konpensan reinam por toda a área da mezinha de cabeceira do pote de banha.

— Ai querido! Vê se paras quieto na cama! — murmura a senhora Barracuda.

— Estou com azia. Acho que vou comer outro Konpensan.

— Já é o quinto que comes, fofo! O que é que tens? Conta aqui à mamã. Tadinho do meu menino.

O gordo vira-se fazendo ranger todas as traves da cama e encosta a cara bola­chuda com a barba por fazer no ombro da esposa.

Óóó! Biduzinho! — diz o Barracuda com o polegar na boca — amanhã aquele tipo esquisito vai voltar lá à editora. E eu tenho mééédo!

Tadinho do meu queridinho. Olha eu tenho uma ideia! Vamos fazer assim: se o terrorista que quer fazer mal ao meu porquinho — diz a senhora Barracuda a cutucar o estômago dilatado do marido — o porquinho telefona ao seu amiguinho! Pronto!

— Que amiguinho? — pergunta o banhoso com cara de idiota.

— O polícia! Aquele que é o chefe!

— Siiiiim! É isso! Se ele tentar algo de suspeito eu entro logo em acção!

— Pooois! E assim o meu porquinho fica calminho e livra o mundinho dum ho­menzinho como estezinho!

— É isso mesmo o que eu vou fazer. Vou tomar uma atitude! Vou mostrar ao mundo que não sou nenhum covarde. — afirma num tom infantil.

— É isso mesmo! O meu porquinho está a aprender! Viva!

Depois de uma conversa melada como esta, o gordo do Barracuda e o pote de ba­nha que é a sua mulher, brincam com as banhas ondulantes abundantemente espalhadas por todo o corpo.

A seguir com muito custo e muita ginástica, o Barracuda lá conseguiu cumprir precariamente as suas obrigações conjugais.

O problema é que os dois são tão volumosos que qualquer actividade em con­junto torna-se em algo quase impossível. Além disso o gordo nunca teve muito jeito, o pobrezinho.


*

Raul olha mais uma vez para o molho de papeis que tem na mão e sorri. É desta que vai conseguir convencer o Barracuda a editar-lhe o trabalho. Um trabalho muito bom, excelente, segundo Raul. Um trabalho como nunca tinha feito.

Cheio de esperança, tal como na semana passada, mete-se na casa de banho para fazer um penteado digno para a ocasião.

Desta vez, pretende impressionar a menina Joana, aquela secretária jeitosa, que conheceu da outra vez que foi lá à Boa Esperança.

Pega no pente, no gel e mete mãos à obra.

Já passa hora e meia desde que Raul se meteu na casa de banho para se pentear. Meia hora depois sai finalmente de lá. Vestiu uma roupa mais desportiva para dizer bem com o cabelo. A seguir pega no trabalho e sai em direcção da paragem dos auto­carros.

Tem que fazer uma ginástica maior do que da outra vez ao passar na porta para não estragar o penteado — surpresa que preparou exclusivamente para impressionar a menina Joana.

Hoje, ao contrário das outras vezes, a viagem de autocarro até que foi razoavel­mente agradável, visto que o condutor de hoje é o fanhoso com cara de Adolf Hitler, que raramente passa dos vinte quilómetros por hora. A chocolateira conseguiu chegar até à paragem em frente da editora Boa Esperança, coisa rara, já que estes veículos de transportes colectivos importados em segunda mão da Alemanha, onde serviam para transporte de gado, empanavam sempre na subida íngreme que existe a seguir à ponte da cidade.

Raul sai do autocarro e fica uns instantes a olhar para a porta do edifício. Respira fundo e entra na editora. De relance, Raul repara que aquele aviso de oferta de trabalho que viu na semana passada ainda estava lá, mas não deu nenhuma importância a isso. É obvio que nenhum parvo o iria aceitar, visto que não passa de um trabalho para atrasa­dos mentais.

Automaticamente, Raul dirige-se para o escritório do Barracuda. Já sabe o cami­nho de cor.

À entrada do gabinete vê a menina Joana sentada na secretária a limar as unhas. Sente um calor a subir-lhe à cabeça por voltar a vê-la. Ela ainda não reparou nele, já que está demasiado concentrada no seu trabalho e portanto, Raul foi obrigado a entrar em acção. Aproxima-se dela e gagueja:

— Ó-olá.

A menina Joana levanta os olhos e vê o Raul todo vermelho.

Mas que giro, — pensa ela! Ele hoje vem com um penteado diferente! Muito mais original do que o outro!

— Raul! Que bom vê-lo de novo. Não se importa que eu o trate pelo seu primeiro nome pois não? É que eu não gosto de tratar pelo apelido uma pessoa tão jovem e tão especial, sabe?

A menina Joana volta a fazer aquele sorrisozinho malicioso e a piscar o olho ao pobre Raul.

Ao ver-se naquela situação, ao aperceber-se de que ela está a atirar-se a ele, Raul perde a respiração. Quer respirar mas não se lembra como se faz!

— Está bem? — pergunta a menina Joana, preocupada ao ver o Raul a ficar roxo.

De repente o gordo do Barracuda sai do gabinete. Devido ao odor a sovaco ultra penetrante exalado pelas axilas do banhoso a entrar pelas narinas do Raul, este cheiro nauseabundo tratou de por o sistema respiratório do rapaz outra vez em funcionamento.

— ÍÍÍÍÍÍÍÍÍÍÍÍÍÍÍÍK — guincha o pote de banha ao ver o seu pior pesadelo.

Raul, muito solenemente, cumprimenta o Barracuda com uma vénia. Ao ver isto, o Barracuda quase tem um enfarte. O cabelo do Raul, hoje está todo puxado para cima e no topo da cabeça, formando uma espécie de espeto. Era assim que o Raul queria impressionar a menina Joana! Demonstrando com o cabelo a sua virilidade, mas ao que parece, ele só conseguiu impressionar o javali que está branco como a neve a implorar para não lhe fazerem mal.

A menina Joana e o Raul estão estupefactos. O Barracuda está agora de joelhos com as mãos na cara a implorar para que o Raul não o espetasse.

— Mas senhor Barracuda, eu só vim apresentar o trabalho que me pediu!

O parvalhão olha para o Raul com cara de burro. A seguir levanta-se com muito custo, fazendo estalar os pobres joelhos. Já de pé compôs-se.

— Oh! Mas claro! Queira desculpar esta minha pequena dor de cabeça — diz o ignóbil a tentar disfarçar — por favor entre para o meu gabinete e espere lá uns segun­dinhos que eu tenho que tratar de um pequeno assunto.

Raul entra no gabinete e instala-se. Olha em seu redor e repara que num canto da sala está um cavalete. Da outra vez não reparou nele. Aproxima-se para ver melhor a tela que está lá a secar e tem um arrepio.

— Jesus! — estremece — afinal é ele que comete estas barbaridades!

Desta vez, a obra é de Salvador Dali. É o seu quadro mais famoso. “A Persistên­cia da Memória”. Este está a ser pintado com aquelas canetas de tinta fluorescente e giz de cor! É pirosíssimo! O parvalhão tem todo o direito de pintar o que quiser, só que, o desgraçado tem um gosto que era capaz de acordar um morto!

O artista não sabe que os relógios que estão na obra de Dali são analógicos, por­que os que estão no quadro dele são digitais.

Raul abana a cabeça e encolhe os ombros. Talvez estivesse a ser um bocado duro com o Barracuda. Mas pronto. Que lhe fazer?

Entretanto, o aspirante a aprendiz de pseudo-semi-artista estava a fazer um pe­queno telefonema a uns amiguinhos dele. Assim já se sente mais seguro. Logo de seguida volta para o gabinete e senta-se na sua cadeira corajosa.

— Ãããh, vamos lá ver a sua obra. — diz o gordo desconfiado.

Raul entrega-lhe o molho de papéis e ele começa a analisá-los enquanto bebe Coca-Cola e limpa os sovacos.



O pobre Barracuda ao acabar de ler a história sente-se ainda pior do que da outra vez. Olha para o copo de Coca-Cola que tem na mão e sente que vai vomitar.

Tenta a toda a pressa levantar-se da cadeira para ir à retrete mas não consegue! Tal como uma mangueira de alta pressão, Barracuda dispara o seu vómito implacável em direcção á camisa do Raul.

— ..........bb.........! — diz Raul.

Pois é. A sorte quando vem, vem toda de uma vez. Sou eu que o digo.

É que logo a seguir ao banho de batatas fritas de presunto e Coca-Cola, entram na sala uns senhores fardados. Estes senhores algemaram Raul sem dizer uma única pala­vra.

Raul pergunta o que fez, mas os senhores não respondem. Limitam-se a arrastar o Raul para uma esquadra.

Lá fazem-lhe umas perguntas esquisitas. Perguntam-lhe porque é que ele queria pôr uma bomba no gabinete do ilustre senhor Barracuda.

Ele diz que não sabe de nada e que nunca faria tal coisa.

Os senhores, chateados, dão-lhe uma tareia e prendem Raul por ser um dos sus­peitos de causar o pânico geral num hipermercado dando um falso alarme de uma bomba.

Raul está agora injustamente cadastrado.

Passou o resto do dia numa jaula, com a camisa toda empapada de vomitado do Barracuda.

Aquele misantropo e os seus amigos não perdem por esperar.

A vingança vai ser subtil...

*Fim da Parte 1*

2 comentários:

Anónimo disse...

Encontrei isto http://bebadoconhecido.blogspot.com/2007/07/frias-em-frana.html
penso que o texto seja teu apesar de não estar aqui

Má-Onda disse...

naaaaaaah o texto é todinho do zdan!

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