A aplicação teórica de assuntos práticos e relativos á questão do ser adjudicado à alma do animal que nasce dentro de todos nós.

segunda-feira, julho 23, 2007

Os Inóticos Parte 1 Capitulo 4

*
Rété saiu de casa para procurar emprego. Se voltar para casa à noite sem ter ar­ranjado algum serviço, está tramado. O seu pai foi bem claro.
“Se chegas à noite sem teres arranjado emprego, expulso-te da família!”
Rété não sabia por onde começar, portanto foi dar uma volta pela aldeia, a ver se encontrava algo.
A aldeia é constituída por uma rua central feita em calceta portuguesa e revestida a bosta de boi misturada com mato. Ainda é bastante frequente passarem por lá vários carros de bois por dia. Os animais domésticos como galinhas, patos e porcos andam à solta pelas ruelas estreitas que existem entre as casas em pedra emparelhada com umas janelas minúsculas com a função de dar um pouco de luz à escuridão eterna do interior dessas casas. A população da aldeia é quase toda constituída por agricultores bastante modestos com a excepção do padre, da professora, do taberneiro, do ferreiro e do mer­ceeiro. A escola da aldeia é um pequeno edifício branco que fica a uns cem metros da aldeia. Foi esta escola que Rété frequentou até à quarta classe e depois ao contrário dos seus colegas da aldeia, tirou o décimo segundo ano no liceu da cidade.
Existe também uma pequena igreja de estilo românico. Em seu redor existe um grande pátio onde decorrem as festas da aldeia. Esta, como qualquer outra, também conta com uma tasca. Fica num beco escuro e húmido. O estabelecimento nunca viu a luz do sol. O seu interior é dividido por duas paredes que divide duas partes. Uma em terra batida, toda enlameada de vinho tinto entornado pelos clientes. Este é o sitio pre­dilecto para as reuniões do C.J.S.R. (coligação dos jogadores de sueca reformados). A outra parte já é em tijoleira. Aí já tem uma mesa de bilhar, um rádio dos anos vinte que é um autêntico ninho de ratos e uma mesa de matraquilhos. O ferreiro tem uma oficina ao lado do cemitério, o qual fica a uns cinquenta metros da igreja. Este artesão, um velhote resmungão membro de honra do C.J.S.R. é o responsável pelos trabalhos que envolvem a sua profissão na aldeia. A mercearia do senhor Artur fica junto à casa do Rété. É a partir deste estabelecimento que as pessoas se abastecem do que necessitam. Os seus stocks são pequenos mas variados e pode-se encontrar lá desde tecidos novos vindos da cidade, passando pela comida e acabando nas maravilhosas novidades da tecnologia.
Rété decide ir pedir emprego ao senhor Artur, já que ele é seu vizinho e a sua mãe é uma cliente habitual.
— Bom dia senhor Artur.
— Olá Joaquim. O que é que te traz por aqui?
— Bem, eu precisava de emprego sabe, e se eu chegar a casa à noite sem ter ar­ranjado trabalho o meu paisinho expulsa-me da família!
Encostada no vão da porta que dá para o armazém está a Cinderela Petrolina, fi­lha do senhor Artur, a empanturrar-se com uma sandwich de queijo. Nunca ninguém viu criatura tão medonha. Por vezes, quando ela dá uma volta pela aldeia e por azar do destino se cruza com um carro de bois, os animais mais sensíveis entram em pânico e desatam a correr. Diz a má língua que foi ela que matou de susto a S´ Maria da Ponte, esposa do Senhor Martins, uma idosa que sofria do coração. Quando esta estava a sair da igreja numa noite cerrada onde tinha ido fazer as suas orações, deparou com a Pe­trolina de vestido branco vinda lá das bandas do cemitério. A velha não resistiu a semelhante visão e caiu redondinha no chão a espumar pela boca e agarrada ao peito.
A Petrolina tem um cabelo empapado de suor, pó, fumo e comida entre outras coisas. É vesga, tem a cara coberta de espinhas e ainda por cima tem uma pêra maior do que a do visconde do sítio do pica pau amarelo. O seu corpo rivaliza com o de qualquer suíno lá da aldeia. Os seus seios dão-lhe até ao umbigo e ainda por cima são peludos. As suas pernas arcadas são tão felpudas que um dia durante a festa anual da aldeia, a saia caiu-lhe mas ninguém notou, porque toda a gente pensou que ela estava de calças. Com esta descrição, eu procurei dar uma ideia do aspecto desta pobre rapariga.
A Petrolina faz um sinal ao pai para que ele entre no armazém.
— O que queres minha princesa? — perguntou o autor de semelhante atrocidade.
— Papá, por favor, dá um trabalho ao Joaquim. Assim talvez eu me consiga aproximar dele. — pediu a menina com uma voz mimada.
— Ora, era capaz de ser uma boa ideia, assim podia ser que arranjasses marido! Ele é bom rapaz e de boas famílias. É só pena que seja um pouco medroso e há quem ache que ele é maricas.
— Oh, papá, eu tiro-lhe o medo e faço com que goste de mulheres!
— De certeza meu tesourinho, de certeza. — disse a suspirar.
O senhor Artur voltou a entrar na mercearia e disse ao Rété que estava empre­gado lá no seu estabelecimento.
— Obrigado senhor Artur! E quanto ganho? Sabe, é que o meu paisinho vai-me perguntar logo isso!
— Vais ganhar vinte contos. — diz o merceeiro num tom de quem não estava para regatear.
— Está bem senhor Artur. E por onde é que começo?
— Vais começar por trazer para dentro aquelas caixas de hortaliça que estão lá fora.
Rété obedece de imediato. Sai e vê as caixas de madeira com couves tronchudas e outros tipos de vegetais. Inspecciona as caixas em busca de algum bicho infame que o possa assustar. Não vê nada. Baixa-se e apanha uma das caixas de couves pelas asas e carrega-a junto ao peito. Sem ninguém reparar, por entre as couves está uma lagarta peçonhenta, que entra corajosamente para dentro da camisa de Rété por entre os botões. Rété entra e pousa a primeira caixa e vai buscar as outras. Quando tem a segunda caixa à altura do tórax sente algo de estranho a entrar-lhe nas cuecas. Entra para a mercearia e de repente sente um ardor e uma comichão imensa. Atira com a caixa de couves à cara da senhora Raquel, esposa do Chico das Tripas e desata a tirar a roupa.
— Mas o que vem a ser isto? — pergunta a senhora Raquel, aflita a tirar as cou­ves que lhe tapam toda a cabeça.
— Áááááaáiiii, áááííííí! — responde Rété.
Petrolina, está na sala de estar a ver uma telenovela mexicana e a devorar um ge­lado de laranja. Ouve os gritos e vem a correr para a loja ver do que tratava tamanha algazarra. O senhor Artur que está no armazém à procura do que a senhora Raquel lhe havia pedido também ouve os gritos e vai ver o que se passa.
— Áááí, minha Nossa Senhora, está uma minhoca peçonhenta na minha linda pila! Ái, o que será de mim!
— Ííííííík, ele quer-me violar! — grita a senhora Raquel a tapar a cara com as couves.
— O quê? Mas o que se passa aqui? Que vem a ser isto? — pergunta o senhor Artur num tom desvairado com os olhos raiados de sangue e a morder a língua.
— Áíaíaí, a minhoca peçunhou-me a pila! Está toda inchada — diz Rété a chorar e a gritar.
Nesse instante entra a Petrolina na loja com o seu gelado de laranja na mão e vê o Rété de calças no chão e a segurar o seu sexo, que devido à alergia provocada pela mi­nhoca, aumentou pelo menos cinco vezes mais de tamanho. A Petrolina arregala os olhos e sorri.
— Filha! Não olhes! — grita apavorado o senhor Artur virado para a filha.
— Úáái, acudam! Alguém me valha que ele quer-me violar! Ai minha Nossa Se­nhora dos Aflitos, ai, Jesus! Ajudai-me — berra a senhora Raquel apavorada.
Rété vê o gelado que a menina Petrolina tem. Precipita-se sobre ela e arranca-lho da mão. De seguida esfrega-o onde mais lhe arde.
— Ahhhhhhh! Ohhhh! Que maravilha! Que frescura! — diz Rété com um ar de alivio.
Nessa altura, por causa dos gritos da senhora Raquel, já toda a aldeia se encontra na mercearia para ver o que se passa. Toda a gente olha para Rété quando o Sr. Artur interveio.
— Seu badameco! Que pensas que estás a fazer com o gelado da minha filha?
A Petrolina olha fixamente para o gelado e assim ainda lha dá mais gana de o comer.
— Tapa os olhos filhinha, tapa os teus olhinhos! — grita o senhor Artur desespe­radamente.
— Que nojice! — comentou a senhora Raquel, desiludida ao aperceber-se do que estava realmente a acontecer.
— Você está despedido, está a ouvir? DES-PE-DI-DO! — grita o Sr. Artur para toda a gente ouvir.
— Oh papá, não por favor, não o mandes embora! — suplica a menina Petrolina.
— Mando sim e é já!
Aos empurrões, o Sr. Artur expulsa Rété da sua mercearia, enquanto este, esfrega o gelado para lhe aliviar a dor.
Rété, já mais aliviado voltou a vestir as calças. A multidão que está à volta dele murmura e sussurram palavras obscenas entre eles, acerca de Rété.
Ele estava de novo sem emprego. Lembrou-se outra vez das palavras terríveis do seu pai e estremeceu. Por sorte o seu pai estava a trabalhar no campo, a mãe foi levar o Ruisinho e o Chiquinho ao dentista e o resto dos seus irmãos estão na escola. Se o seu pai tivesse presenciado o ocorrido expulsava-o da família logo na hora! E se não ar­ranjar trabalho até ao fim do dia a situação será idêntica, portanto voltou logo à procura de um biscate qualquer. Atravessou a multidão que olhava para ele de boca aberta e seguiu caminho para a oficina do senhor Martins. Talvez o ferreiro da aldeia tenha al­gum trabalho para ele. Chegando lá, encontra o velhote a ferrar o burrico que pertence ao padre. Este é o meio de transporte do vigário para dar as suas voltinhas pela aldeia.
— Bom dia, senhor Martins — diz Rété timidamente.
— O que queres daqui rapaz? — pergunta o velho atarefado.
— Bem, eu estava a precisar de um trabalhinho, então lembrei-me de que o se­nhor era capaz de precisar de ajuda!
O padre que está a observar o trabalho do ferreiro interveio na conversa.
— Meu filho, é verdade, aquilo que eu ouvi dizer acerca de um certo ocorrido na mercearia? É verdade que tu querias violar a senhora Raquel? Oh, meu filho! Com quem tens andado? São essas companhias que estragam tão boa alma — diz o reve­rendo a olhar para o céu com uma mão sobre a cabeça de Rété e a outra erguida para as alturas.
— Mas, mas, isto é tudo uma mentira senhor padre! É tudo uma grande mentira! Eu nunca quis violar a senhora Raquel!
— Então meu filho, vais dizer que o povo mentiu?
— O que aconteceu foi um acidente! Entrou-me uma minhoca peçonhenta para as calças, pessunhou-me todo e não aguentei! Tive que tirar as calças para me poder ali­viar! — responde Rété todo aflito.
— Ai, meu filho, eu bem sei o que isso é! Um dia entrou-me uma vespa pela ba­tina acima...
— Então é sempre verdade que o senhor padre não usa cuecas! — afirma Rété instintivamente sem pensar.
QUE DIZES? — berra o padre.
O senhor Martins que não está a prestar atenção à conversa, acabou o serviço que estava a fazer com o animal do padre.
— Senhor padre, o seu animal está pronto.
O padre, que ainda está a admoestar Rété olha para o ferreiro e aproxima-se dele. Pergunta quanto é que deve, paga e leva o burro por uma corda amarrada ao pescoço. Antes de partir ainda deu mais uma reprimenda de meia hora ao Rété.
Rété retoma o assunto que o tinha levado lá.
— Então senhor Martins? O que diz?
— O que digo o quê? — pergunta distraidamente o ferrador, enquanto recolhe as ferramentas que estão espalhadas pelo chão.
— Pode dar-me emprego aqui?
— Tu queres emprego?
— Sim.
— Não sei.
— Oh, vá lá senhor Martins. É que se eu chego a casa logo à noite sem trabalho o meu pai expulsa-me da família!
— Ai sim?
— Sim!
— Então o que queres daqui?
Rété já está a ficar desesperado.
— Quero emprego senhor Martins, EMPREGO!
— Está bem.
— Óptimo, muito obrigado senhor Martins, muito obrigado. E quando é que posso começar?
— Começar o quê?
— A TRABALHAR! — grita Rété já quase a chorar.
— Que dia é hoje?
— Sexta-feira.
— Então aparece aqui logo ás duas horas da tarde.
— Está bem senhor Martins. Até logo.
Rété já está mais sossegado. Aquilo já é um emprego e como só começa ás duas horas , ele não sofre o risco de ser despedido antes da hora do almoço. Assim quando chegar a casa para comer já pode dizer ao pai que está empregado.
Já é quase meio-dia e Rété foi para casa almoçar.

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