A aplicação teórica de assuntos práticos e relativos á questão do ser adjudicado à alma do animal que nasce dentro de todos nós.

sexta-feira, julho 27, 2007

Os Inóticos, Parte 1 Capitulo 6

*

Rété chegou a casa para jantar. Chegou do seu novo emprego que o senhor Mar­tins lhe arranjou e os seus pais ainda não sabem que ele trabalha lá. É que na hora do almoço, Rété comeu sozinho. Não estava ninguém em casa e então teve que improvisar o seu almoço com um magnifico prato de sardinhas fritas em azeite e tomate, mistura­das com umas natas supremas acompanhadas de umas fenomenais couves cozidas em leite de cabra. Uma receita secreta, inventada por ele próprio e de que tem bastante orgulho!

À tarde no seu trabalho não houve nada significante, excepto, naquela vez em que o senhor Martins o mandou pegar na caixa das tachas e uma centopeia lhe subiu pelo braço acima. Deu um salto e entornou as tachas pela oficina toda. Teve que andar a catá-las a todas com um íman.

Agora Rété está cheio de medo com a reacção que o seu pai vai ter quando souber o que se passou na mercearia! De certezinha absoluta que alguém já veio de propósito a casa encher os ouvidos da família com mentiras idiotas como já é costume.

Rété respira fundo, aperta o nariz, passa a mão pelo cabelo e entra na sala de es­tar. Lá já estão os seus pais e irmãos sentados à mesa prontos para começar a comer o caldo de couves que fumega nas suas malgas.

— Ó-olá paisinho, olá mãezinha, olá manos, então como é que estão? — pergunta Rété a tentar fazer o ar de quem não quer nada.

Fez-se um silencio aterrador e sinistro. A sua mãe diz:

— Anda comer a sopa.

Rété, com muito jeitinho vai-se sentar à mesa e serve-se do caldo de couves que está numa panela no meio da mesa mesmo ao lado do arroz de bacalhau e da travessa de pataniscas.

— Já arranjei emprego paisinho! — diz o Rété de mansinho.

— Ouve lá. O que foi que eu ouvi dizer sobre ti na mercearia do Artur? — diz o senhor Rota num tom muito severo.

— Nada de importante papá! Aconteceu só um imprevisto com uma minhoca, mas nada de sério! Eu arranjei lá emprego, mas depois saí porque arranjei melhor na oficina do senhor Martins e...

— Mas tu pensas sou parvo ou quê? Tu não sabes o que o povo anda a dizer? Anda a dizer que tu violaste a senhora Raquel lá na mercearia à frente de toda a gente e a seguir ainda fizeste algo, que ainda não percebi bem, com o gelado da menina Petro­lina! — diz o senhor Rota a bater com a colher na mesa.

— Mas não! Mas não! É tudo mentira! Tudo invenção do povo que não tem nada que fazer! — chia o Rété já a choramingar.

— Parem já com isso! — grita a dona Ilda já sem paciência — Parece que não conheces o povo. Basta uma coisinha para fazer logo um escândalo! O que eles querem é estragar a nossa imagem!

Os irmãos do Rété comem a sopa sem ligar a estas discussões porque já eram diá­rias e já fazem parte da refeição. Mas, o Luisinho, o irmão mais novo vira-se para o Rété e pergunta:

— Ó Quim, é verdade que te vais casar com a menina Petrolina?

— QUÊÊÊ? — guincha Rété virado para o seu irmãozinho.

— Eu ouvi dizer que vais ter que te casar com a menina Petrolina!

— NÃO! — grita Rété apavorado a arranhar as bochechas com as unhas e os olhos arregalados.

— Olha que até é uma boa ideia! — diz o senhor Rota — Era a maneira de limpar o nosso nome e de fazer esquecer o povo sobre o que quer que tenha acontecido na mercearia. Amanhã vou falar com o senhor Artur para esclarecer tudo e vou-lhe propor este assunto do casamento. Já está na hora de te casares filho! E a menina Petrolina é um bom partido para ti.

— UUUUUUUUUUUUUUUU ÀÀÀÀÀÀÀÀÀÀÀÀÀ ÌÌÌÌÌÌÌÌ ÀÀÀÀ ÌÌÌÌÌÌÌÌ ÀÀÀÀÀÀÀÀÀÀÀÀÀÀÀÀÀÀÀÀÀ HÌÌÌÀ ÀÀÀÀÀÀÀÀ HÀÀÀÀ HÌÌ ÀÀÀÀÀÀ ÈÈÈÈÈÈÈÈÈÈÈÈÈÈÈ ÌÌÌÌ ÀÀÀÀÀÀÀ ÀÀÀÀÀ ÀÀÀÀÀ UUU UUUUUUUU ÈÈÈÈÈÈÈÈ ÌÌÌÌÌ ÀÀÀÀÀ ÀÀÀÀÀÀ ÀÀÀÀÀÀÀÀ ÀÀÀÀÀ ÀÀ ÀÀÀÀÀÀÀÀÀÀÀÀ! — grita Rété.

Rété sai da mesa apavorado e foi-se fechar no quarto. Tira a roupa, veste o pijama com o sapo Cocas e mete-se na cama com a almofada em cima da cabeça a chorar de­salmadamente.


*

Já é de manhã e como de costume, o senhor Rota é sempre o primeiro a levantar-se lá em casa. Ele hoje tem que esclarecer um assunto importante com o senhor Artur. Ia ver se arranjava uma noiva para o filho. O seu maior medo é que o seu filho seja maricas, por isso, pretende vê-lo casado o mais depressa possível.

O senhor Rota sai de casa antes de tomar o pequeno almoço porque quer dar a boa nova, isto é, caso haja alguma boa nova, à sua família toda reunida.

Dirige-se à mercearia e encontra o senhor Artur a abrir o seu estabelecimento para receber mercadorias frescas como o pão ou o leite. Aproxima-se dele e dirige-lhe a palavra.

— Bons dias senhor Artur.

— Bom dia. — responde o merceeiro num tom seco.

— Eu precisava de falar consigo. Era necessário esclarecer uma coisinha...

— Ai sim? Eu acho que é preciso esclarecer muita coisinha! Se eu apanho o seu filho aqui outra vez não sei o que lhe faço! — responde o merceeiro com os dentes cer­rados.

— Ora é disso mesmo que eu queria falar.

— Poooois. — Cala-se por uns momentos. — Entre então porra!

Entram os dois para dentro da mercearia. O senhor Rota senta-se num banco que serve para sustentar as caixas de fruta durante as horas de expediente e fica à espera do senhor Artur que foi levar uma vasilha de leite ao armazém.

Enquanto espera repara com algum assombro, que o candeeiro do tecto abana como se houvesse um terramoto. A isso junta-se um ruído estranho, um barulho aba­fado que vem do andar superior. Estranhou e até pensou que se tratava de um terramoto, mas por mais incrível que pareça, o chão não treme! Portanto não pode ser nenhum terramoto! Aquilo tinha que vir de cima.

Entretanto o senhor Artur regressa à mercearia e dirige-se ao pai do Rété.

— O que queria então? — pergunta ele como se estivesse a fazer um grande fa­vor.

— Bem, eu queria que o senhor, ora bem, queria lhe pedir que desculpasse o meu filho. Eu soube que ele fez aqui asneiras ontem, mas o senhor sabe como é a canalhada destes dias! Só faz burricada! E depois quem fica mal é a família.

— Pois é, pois é. — diz o merceeiro com os olhos fixos no assoalho.

— Espero que não leve a mal, mas soube que a sua filha engraçou com o meu fi­lho.

— É parece que sim!

— Pois! E se os comprometêssemos em casamento? Se eles ficassem noivos? Dava-se uma grande festa, comprava-mos umas cinco pipas de tintol e convidávamos o povo todo! Era uma maneira de fazer esquecer o que aconteceu na sua mercearia e a vergonha que passei!

O merceeiro pensa por uns momentos. Passa a mão pelo cachaço, coça a cabeça e pede ao senhor Rota que não se vá embora. Sobe as escadas para o segundo andar e entra no quarto da filha, acordando-a de sobressalto. Em baixo, na mercearia o estranho som abafado que se ouvia e o misterioso candeeiro dançarino cessaram imediatamente a sua actividade sobrenatural.

No quarto da Petrolina, o senhor Artur tenta despertar a filha que ainda está es­tremunhada.

— Acorda filha, acorda! — diz o pai da menina, a abaná-la e a provocar-lhe on­dulações nas nádegas banhosas que estão escondidas por um corajoso lençol.

— O-o quê? Já não há mais batatas fritas de presunto? — disparata a filha do merceeiro ainda perdida com o sono.

— Não filha, não! Tu vais-te casar! Vais finalmente casar!

A rapariga não quer acreditar no que está a ouvir. Olha em sua volta e chega à conclusão de que está a sonhar. Mete a cabeça debaixo da almofada e enfia o polegar na boca.

— Acorda filha, acorda c´um catano! — berra o pai.

Não há maneira de acordar a moça. O senhor Artur beliscou-a, abanou-a e até lhe atirou à cara com um copo de água, que estava na mesinha de cabeceira. Chega até a pegar num alicate que ele tem guardado num armário do seu quarto e com ele beliscou as nádegas peludas da Petrolina. Ela apenas sorri e murmura algo que não se entende.

Então, o merceeiro tenta lembrar-se de como é que a sua esposa fazia para acor­dar a filha na altura em que ela tinha de ir para a escola. Puxou, puxou o mais que podia pela cabeça, mas não era capaz de se lembrar. Desloca-se então ao seu quarto e encon­tra a mulher ainda a dormir.

— Dá-lhe um encontrão e diz:

— Ouve lá! O que é que fazias para acordar a tua filha?

A esposa do merceeiro abre os olhos, olha para o marido e responde-lhe projec­tando milhares de perdigotos no ar.

— Afref um fafofe fe bafafas flifas fe flesunto e fega-lhe ao farif.

— METE A PUTA DA PLACA NA BOCA MULHER! — grita o marido.

A senhora pega na placa que está metida num copo de água, enfia-a na boca e re­pete que é preciso abrir um pacote de batatas fritas de presunto e chegá-lo ao nariz da Petrolina.

O senhor Artur assim fez e conseguiu despertar, finalmente a bela adormecida do seu sono profundo. Pôs a filha ao corrente da situação, mas esta mesmo assim não que­ria acreditar.

Enquanto devorava o pacote de batatas fritas, ouviu o senhor Rota a explicar-lhe o que pretendia. Convidou-a a ir tomar o pequeno almoço a casa dele, juntamente com o futuro noivo. Ela aceitou imediatamente e foi-se produzir para o acontecimento.

Mete-se no quarto e abre o guarda vestidos. Decide-se por pegar nuns calções de licra e num top. Acha que assim fica mais sexy. A seguir enche a cara de pó-de-arroz, para tentar esconder as espinhas e os furunculos, mas este só faz com que os pêlos da barba fiquem mais realçados. Pinta os lábios com um batom preto, olha para o espelho, faz uma pirueta e exclama:

— Úááuuu! Que brasa! Que mulher!

Por fim, já está pronta para ir tomar o pequeno almoço com o Rété, tal como a convidaram.


*

Rété ainda não sabe de nada. O que tinha acontecido na noite anterior já não pas­sava de mais um pesadelo rotineiro que até já esqueceu. Levanta-se da cama, estica os braços e as pernas para poder pôr os ossos no sitio, coça a pila, já totalmente curada daquela enrascada que teve com aquela minhoca peçonhenta e pega na roupa.

Veste-se lentamente e lentamente segue para a cozinha para tomar o pequeno al­moço.

Mal sabe ele o que o espera! O pobrezinho vai, de certeza, apanhar o maior susto da sua vida. Vai ter que passar uns maus bocados.

Entra na cozinha e sem reparar na visita, senta-se no lugar do costume. Como de costume cumprimenta a família.

— Rapaz! — diz o senhor Rota — então? — Não cumprimentas a tua noiva?

Rété tem um terrível arrepio na espinha. Afinal não tinha sido um pesadelo! O seu pai falou a sério na noite passada! O pobre rapaz, corajosamente, olha de esguelha e ao seu lado está a maravilhosa Cinderela Petrolina. Aquele top que traz vestido realçam aqueles seios peludos, horripilantes, pendurados e pendentes até ao umbigo cheio de cotão e bocados de comida. Os calções de licra deixam ver a massa impressionante de celulite que tem nas pernas, coisa que, quando estava completamente nua não se notava porque a camada de pelos distribuídos abundantemente ao longo do corpo escondiam certas particularidades. O batom preto sai-lhe dos lábios e contorna-os como um pneu por recauchutar. O cabelo todo empapado está cheio de bocados de pão e batatas fritas de presunto. Para rematar o conjunto, acrescente-se um cheiro terrível a sovaco, um hálito fétido a gordura de porco e um odor a urina rançosa, já fermentada vinda de al­gum lado impossível de localizar!

— ..., ... ,... — pensa Rété.

Perante semelhante coisa, Rété apenas tem tempo de olhar em frente com um olhar de puro terror na profundidade do seu olhar e de cair para o lado como uma ár­vore quando é abatida.

E fica estendido no chão. Completamente inerte. Imóvel.

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