A aplicação teórica de assuntos práticos e relativos á questão do ser adjudicado à alma do animal que nasce dentro de todos nós.

quarta-feira, julho 25, 2007

Os Inóticos Parte 1 Capitulo 5

*

Raul está em casa a tentar decidir qual a historia que iria apresentar ao editor na semana que vem. Estava indeciso sobre uma que ele tinha escrito à tempos acerca dum rato que, no final, a moral da história remetia para as crianças deixarem de comer do­ces. Ou então, outra sobre um menino que não fazia os trabalhos de casa. É uma tarefa difícil, porque ambos os trabalhos são realmente bons!

A barriga de Raul já está a dar horas. Então o dono da barriga acha que já são ho­ras de comer.

Esgueira-se até à cozinha, abre os armários à procura de alguma coisa que encha o bandulho mas a única coisa que encontra é uma caixa de corn flakes com uma barata morta lá dentro. Raul detesta corn flakes e aquele pacote já estava lá antes da sua famí­lia ter tido o acidente.

Decide então que tem de ir ás compras. Vai ao seu quarto trocar o seu fato do luxo por umas calças de ganga e uma T-Shirt toda coçada.

Depois vai à casa de banho. Despenteia o cabelo todo com as mãos e volta a penteá-lo de novo com o seu pente predilecto. Pôs o cabelo da parte de cima de forma a que ficasse todo para a frente e que na testa enrolasse para trás fazendo assim uma es­pécie de tubo. Nos lados, puxa o cabelo para trás para dar um ar sofisticado. Com este penteado, Raul, quer dar a entender que está numa fase tensa — o facto do cabelo estar para a frente — mas, de uma forma intelectual, tal como significa a terminologia da sua testa. O facto do cabelo dos lados estar para trás, significa que, está com pressa de atin­gir uma resposta, ou um fim, de que o cabelo da parte superior pretende representar. Sai de casa e vai a um hipermercado que há lá perto. Entra no edifício através das portas automáticas, coisa que Raul acha engraçado.

Um dia ficou uma tarde inteira a brincar com a porta, a vê-la a abrir e a fechar. Ás vezes, por causa do penteado, a porta funcionava mal. Era devido ao formato que o cabelo tomava fazendo uma espécie de camuflagem aos raios infravermelhos emitidos por aquele aparelhozinho que tem por cima das portas.

Bem, mas hoje a porta funcionou ás mil maravilhas. Uma vez lá dentro, Raul de­cidiu dar uma volta pelo hipermercado para ver se via algo de interessante. Passou, naturalmente, pela secção dos produtos de cabeleireiro, área já bem conhecida e con­trolada por ele. A seguir dirige-se à secção alimentar e repara nas prateleiras das garrafas de Coca-Cola. Só há uma! É a ultima do stock inteiro do hipermercado! Raul gosta de Coca-Cola e quer levar uma garrafa para casa. Mete a mão ao bolso à procura da carteira e MALDIÇÃO! Tinha-a deixado nas outras calças! Está teso e não pode deixar a garrafa ali, assim, desprotegida, à mercê de que alguém se apodere dela!

Raul tenta achar uma solução. Roubá-la nem pensar! A garrafa é muito grande e não a pode esconder, aliás, Raul é incapaz de roubar algo, mesmo que seja a um ladrão! Então de repente, sente que tem uma ideia luminosa. Certifica-se de que ninguém está a olhar para ele e sem ninguém reparar esconde a garrafa por baixo da estante. Assim está protegida de qualquer ranhoso que se possa apoderar dela. Raul olha mais uma vez a ver se alguém o tinha visto a esconder a garrafa e sai apressadamente do hipermer­cado.

Enquanto anda, Raul aproveita para pentear o cabelo todo para trás tipo conde Drácula. Espera que assim fique com a cabeça mais aerodinâmica. É que com uma me­nor resistência do ar no cabelo tem probabilidades de chegar mais rapidamente.

Foi até casa a correr para pegar a carteira. Pelo caminho cruzou com as duas al­coviteiras que se benzeram quando ele passou por elas. No regresso ao hipermercado, Raul já está muito cansado e tem de parar para descansar. Enquanto descansa, tenta decidir qual das histórias deve apresentar ao editor. Talvez decida fazer alguma coisa nova! Iria com certeza ter alguma ideia até ao fim do dia.

Já mais descansado, continua o caminho até ao hipermercado.

Ao chegar à secção da comida, qual é o seu espanto, quando vê um rapazinho, um puto ranhoso a espreitar para baixo da prateleira mesmo onde Raul escondeu a preciosa garrafa de Coca-Cola. Ora! É preciso ter azar! Aquele bisbilhoteiro que a esta hora de­via estar a dormir a sesta acabou por descobrir a garrafa! Raul reage logo. Dirige-se a correr para a criança a gritar:

— LARGA JÁ ISSO PÁ! É UMA BOMBA!

As pessoas que estavam nas redondezas ouviram Raul a gritar e entraram em pâ­nico. É uma algazarra geral com pessoas a correr como gatos com aguarrás no cú, a tropeçar e a deitar os produtos ao chão. Quem não se deixou impressionar foi o rapazi­nho que aperta a garrafa contra o peito.

— Dá cá isso já! — ordena Raul.

— Não!

Raul já está a ficar enervado! Pega no pente e põe o cabelo todo para a frente. Volta a dizer ao rapaz:

— Dá-me isso já! Fui eu que guardei isso ai!

— Não dou! Você é feio! — diz a criancinha com os olhinhos cheios de lágrimas e a fazer beicinho.

Ao ver a criança a chorar, Raul fica de coração partido. Ele adora crianças e gosta de as fazer felizes, mas não quer prescindir da Coca-Cola.

Pega novamente no pente e põe o cabelo todo para cima. A seguir faz um tótó com um elástico cor de rosa e a figura do pato Donald.

Este é o seu penteado de concentração intelectual.

Imediatamente, como um relâmpago, uma ideia assalta-lhe o cérebro. Uma ideia de como fazer com que a criança lhe entregue a garrafa sem chorar. Põe-se de joelhos, chega-se ao ouvido da criança e fica pelo menos cinco minutos a falar com ela.

Ao fim desse breve período de tempo, o rapazinho entrega imediatamente a gar­rafa de Coca-Cola ao Raul e foi ter com a mãe, que já estava à procura dele.

Raul teve uma grande ideia. Uma ideia grandiosa! Megalítica! E ia fazer dela o seu próximo sucesso!

Vira-se para trás e rapara que o hipermercado está estranhamente deserto. O chão está coberto de produtos higiénicos, comida, garrafas partidas, sapatos e carrinhos de compras abandonados.

Raul fica admirado mas não liga. Vai andando a ver se encontra alguém para po­der pagar a sua aquisição, mas não vê ninguém. Tira quinhentos paus do bolso e deixa-os em cima da caixa registadora para pagar a Coca-Cola e um peixe em que entretanto tinha pegado. Dirige-se para a porta e sai calmamente.

No caminho de regresso a casa vê pelo menos três carros da polícia a grande ve­locidade, seguidos de uns forgões pretos com uns letreiros escritos na parte lateral. “BRIGADA DE MINAS E ARMADILHAS”. Carros e forgões dirigem-se para o hi­permercado. Raul não dá grande importância a isso, portanto pega mais uma vez no seu pente e penteia o cabelo com o clássico penteado de risco ao lado. Este é o seu pente­ado de passeio. Também não era muito saudável passear pelas ruas com o penteado de concentração intelectual.


*

Barracuda chega hoje mais cedo a casa. Teve um dia horrível por causa daquele tipo com a poupa esquisita que escreve histórias piores do que as torturas da Santa In­quisição. Está estafado e terrivelmente deprimido.

A senhora Barracuda, uma mulher gordíssima, que faz com que o seu marido pa­reça uma top model, está sentada no sofá com papelotes no cabelo. Ela repara no marido com um ar deprimido e pergunta-lhe, enquanto devora um pacote de batatas fritas de presunto:

— O que tens fofo?

— Ai, tu não sabes o que me aconteceu lá no escritório — diz Barracuda a aper­tar os olhos.

— Óóó, tadinho! E o que é que se passou? Senta aqui à minha beira que eu faço uma festinha ao meu gatinho.

— Ííííí! Por favor não me fales de gatos que dás comigo em doido — grita aterro­rizado.

— Mas afinal o que se passou?

Barracuda senta-se no sofá e abre um pacote de bolinhas de queijo fritas que co­meça imediatamente a dizimar.

— Foi um tipo! Provavelmente um terrorista que procura ganhar dinheiro, para provocar algum atentado, ás custas de umas histórias horríveis que escreve e que julga adequadas para crianças! Tenho a certeza de que ele tem um plano! Um plano para impregnar o cérebro das criancinhas com as suas barbaridades escritas para que um dia mais tarde, as mentes puras e inocentes das criancinhas reajam instintivamente, se­guindo o seu subconsciente retorcido pelas terríveis mensagens escritas nas entrelinhas das histórias e que por fim se juntem à sua causa. — fala Barracuda enquanto come as bolinhas de queijo e limpa os sovacos com um lenço já todo encardido.

— Meu Deus! — suspirou a senhora Barracuda ao mesmo tempo que mandou um arroto estridente.

— E isto não é tudo!

— Não?

— Não! O tipo vinha com uma poupa estranhíssima. De certeza que a utilizava para levar qualquer arma ou até mesmo uma bomba camuflada atrás do cabelo!

— Horrível!

— Calma que isto ainda não acabou. Para a semana ele vai estar de volta!

— E como é que deixas-te isso acontecer? — perguntou a senhora Barracuda in­trigada.

— Eu já te disse! O tipo vinha com uma poupa que estava de certeza armadi­lhada! Se eu recusasse o seu pedido de comparecer na próxima Sexta-feira eu estava agora feito em picadinho!

Barracuda levanta o rabo de lado e solta um gás. Caso este gás fosse usado em guerra, seria imediatamente proibido pela convenção de Genebra.

A seguir decide dormir um sono antes de jantar, para tentar esquecer o terrorista que tanto lhe aterroriza a alma.


*

A menina Joana vive sozinha num apartamento no centro da cidade que o seu pai lhe comprou para se instalar perto da editora. O seu pai, um magnata, é um produtor de desenhos animados, já bastante bem reputados no estrangeiro e detentor de vários pré­mios.

A sua filha decidiu tirar o curso de secretaria executiva, só por querer ter uma profissão e esta agrada-lhe imenso. Tirou o curso numa das melhores faculdades do país e está agora a estagiar na Boa Esperança. Lá não há muito que fazer, portanto está a adorar esta coisa de trabalhar.

Ela hoje chegou a casa um pouco mais cedo do que o costume porque não tinha que fazer, já que o seu patrão, o gordo do Barracuda, se foi embora mais cedo por mo­tivos suspeitos. Aproveita para tomar um banho de imersão naquela banheira gira que faz bolhinhas e que fazem cócegas.

Foi à casa de banho e encheu a banheira com água (obviamente). A seguir juntou-lhe os sais e meteu-se na banheira cheia de bolhinhas para relaxar do árduo dia de trabalho.

Aquele tipo do cabelo esquisito não lhe sai da cabeça. Há algo de especial nele, algo que o faz diferente dos outros. Isto agrada-lhe muito. Já está farta de tipos vulga­res, chatos, parolos que só sabem falar de futebol e com a mania que são uns machões sedutores mas que não passam de uns playboys rurais.

Tem de o voltar a ver. Sabe que ele tem de voltar à editora e isso deixa-a radiante e na expectativa.

Como será o penteado da próxima vez?

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